Quem já não ama mais.
Apagou o cigarro no cinzeiro, apertou a beata com custo, acendeu um fósforo e fumou outro cigarro.
Estávamos num dia escuro de Novembro.
Ele estava sentado na poltrona da sala, uma poltrona bordeux, cor-de-vinho, de aspecto bastante boémio, virado para as estantes cheias de livros, vinis e álbuns de fotos. O único som que se ouvia era o da sua respiração enfumada e o da chuva a bater nos vidros da janela.
Levantou-se, pôs um vinil no gira-discos e deitou-se no chão, sem largar o cigarro, que fumava como se não lhe desse prazer.
Ele não é uma pessoa normal. Não vê televisão, não lê o jornal, bebe chá, em vez de café e é reservado nas palavras que diz e escolhe muito bem as pessoas a quem as diz.
No ar começou a ressoar a música do vinil que tinha posto a girar... Kashmir.
Foi na velocidade da sinapse que levou as vibrações ao cérebro, que ele começou a relembrar o passado. Parece que até a nostalgia, aquela brisa agradável de Primavera, chamada nostalgia, lhe doía quando o alcançava.
A partir daí, os pensamentos sobre ela, Ela, cercaram-no e ele viu-se, impotente, e insignificante, a relembrar as suas expressões, os sorrisos nos cantos dos olhos dela, a linha perfeita do seu queixo, o brilhar dos seus dentes e o tacto dos lábios dela, enquanto gemia, sofregamente, por amor, por saudade, por querer morrer.