A vida aborrecida de um serial killer II
Ele conhece bem esta cidade. Namora com ela à janela, todos os dias de manhã, quando abre as portadas, esteja a chover ou não.
Hoje está. E ele namora mais que a cidade, namora cada pedra de passeio, cada janela do prédio em frente, cada pessoa que passa, secretamente.
Está ele também enamorado, pela carne fresca, tentadora e sedutora e não sabe o que fazer.
Observa-a, à cidade, neste dia cinzento, chuvoso e melancólico de Outono, com uma chávena azul cheia de café acabado de fazer, na mão direita, e o primeiro cigarro do dia, entre dois dedos da mão esquerda. Abate-se, sobre ele, uma apatia tremenda, que o faz sentir mais pesado que o mundo e o atira para a cama por fazer.
Naquele dia, não sai de casa, no dia seguinte, também não, e assim se prolonga, matura e cresce, o desejo, pela carne fresca, tentadora e sedutora.
Para muitos, amar é encontrar as palavras todas e fazê-las rimar, em compasso acelerado. Para ele, amar, até agora, era cravar o aço frio da faca, prolongamento do seu corpo, na carne quente das suas musas, ver-lhes o sangue e a vida escorrer por elas abaixo, rimar o seu corpo com o último suspiro e vir-se a pensar nisto tudo, no dia seguinte.
Agora, era diferente e assustador.
Parece que a sua total sanidade mental, reside, daqui em diante, na pele que ele quer agarrar e beijar, em vez de rasgar.