Domingo, 14.08.11

Ex máquina.

A terra é a mesma e algumas mãos, embora nela já não se sujem e a ela não entreguem todo o suor que têm, por falta de força ou de vontade, por incapacidade ou senilidade, também. Mas os interesses são diferentes. Com os interesses mudam-se os tratos, os rótulos, os olhos e os vocabulários e criam-se barreiras.

Temo que já não haja muito que contar, neste mundo pejado de fins-de-mundo e realidades virtuais reduzidas, sentimentos patéticos contrafeitos, sinistras demonstrações emocionais em zersos e uns que só a Máquina traduz. Temo que o passado seja a única porta para o futuro.

 

Nenhuma dor é genuína e toda a fome é apetite.

 

Viver assim é beber água quando não se tem sede.

publicado por Gualter Ego às 23:08 | link do post | comentar

Orvalhadas de Borgonha: mais uma espécie de diário.

29/7/11

 

São 23:30h em Portugal, mas isso aqui já é ontem, sabeis vós que isto de terras gaulesas a hora é trocada, adiantada, hora inteira de avanço, como se o dia aqui até andasse mais depressa e o que me custa mais é jantar à francesa, que é jantar antes de o sol se pôr. O dia lá se desenrola, entornado, derretido, e quando dou por ele já é hora de ir ver do sono.

Devereis saber, também, e confesso-me, que mesmo tendo os pés sujos de lama, o cabelo seboso e um cheiro a cavalo que não se aguenta, talvez por isso esteja um raio de três metros à minha volta sem ninguém sentado, tenho a alma completamente nula de mácula, limpa como um lençól branco depois da lixívia, mas mais confuso e enrolada que um novelo cheio de nós avulsos e diferentes pontas.

Tenho sono.

Digo-vos, também, que estou num sítio que me é profundamente familiar, mas que me assenta em poucas medidas.

É um bom sítio para se estar.

Vem-se-me uma brisa cimeira esquisita, a luz fraca alumia o que é prciso, uns dorme, outros cantam e eu escrevo. Está até uma senhora romena, pelo que ouvi, ao meu lado, bem bonita, por sinal, farta de me mirar furtivamente os escritos. Há raízes latinas no romeno, qualquer possibilidade de compreensão fortuita do português que vou escrevendo é completamente anulada por esta minha caligrafia de quem quase não sabe o que são dedos - ou de quem tem medo que o papel se acabe.

Desafina tanto a cantar, coitada. Oh, e até pensava que ela me estava a desenhar a mim (já me aconteceu), já estava eu todo certo do meu charmo e das feromonas equestres que exalo do fundo de cada poro, orgulhoso da herança genética dos Guilhermes e dos Biscaias, e a gaja menina estava a desenhar o padrão arquitectónico da nave da igreja. Ts.

 

00:47h na Gália.

Não poderia ir para padre: não resisto às tentações, a carne é fraca e eu fui parido em Março, é-me de herança aluada - lunática, vulgo - e de ordenação planetária o dom da imaginação - literal ou não, que eu vejo o mundo em metáforas e por isso bem me fodo - e assim as dispo com o olhar e outras coisas que só a mim e à minha porca consciência dizem respeito, para depois usar delas em futuras assistências manuais em hora noctívaga e avançada; não me ficaria pelo cálica: gosto de beber, gosto, até perder o controlo da língua, metafórica e literal, eu até sou um sujeito reservado quando só bebo água, não me arrelio com ninguém, mas assim sabem-se as verdades, ora, bebendo os compadres. Por fim, não tenho muito jeito para a demagogia, ser padre é quase ser político e dessa raça há pouco puro-sangue.

Isto de blasfemar na casa do Senhor é bilhete de ida para as profundezas do Inferno - talvez seja melhor ir dormir.

 

Cheiro tão mal dos pés, Deus seja louvado.

 

1:20h

Tenho frio, vou dormir.

publicado por Gualter Ego às 21:41 | link do post | comentar
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