Café.
A manhã já ia avançada, uma manhã incerta, em que o vento não sopra, o frio não nos cobre completamente e o sol nos queima ao de leve, em fugazes ares de sua graça impertinente. Não deviam ser mais que dez e meia da manhã; estava a precisar de cafeína.
Fomos os dois ao café, ao fundo da rua, aquele que tem um senhor muito simpático e que me deseja sempre um resto de um bom dia e umas boas aulas sempre que me dá o troco do café, ou do café e da empada, ou do café e do pastel de nata.
Sentei-me mais ele a beber a bica e ele abriu o jornal.
O café cheirava a tabaco e a mofo e toda a gente falava num barulho silencioso, num sussurro dissonante, como quem vomita palavras; examinei atentamente as rugas da senhora da mesa da frente, que falava com uma amiga, pensei na velhice, bebi um pouco de café, pensei na consequente morte e no sentido da vida e, por fim, franzi o lábio superior quando a senhora esticou os lábios para pronunciar napron, fazendo com que a sua maquilhagem fora de data, exagerada, quase me cegasse na tal forma em que aquelas cores se me atiraram à cara, e os dentes podres do maxilar inferior se lhe ficaram à vista. É um louco e vão orgulho, tentar esconder a nossa natureza e adulterar a nossa beleza.
Vai num intervalo de conversa desinteressante, sobre raparigas e inerentes atributos, sempre, e ele diz, enquanto eu acabava de beber o meu ditoso café:
- Merda, o Ricardo Carvalho não vai jogar... - queixou-se, em jeito de desilusão.
- A existência é um mero distúrbio perpétuo no estado natural das coisas. O único sentido da vida é que a vida não faz sentido.
E ele nunca mais me falou.