Há muito tempo que não batia à porta de alguém. A tinta azul que se ia soltando da porta de madeira, a lembrar as escamas de um peixe, arranhou-me levemente os nós do dedos da mão direita, quando fiz o que é, por norma, feito ao chegar à porta da casa de alguém. Bati duas vezes, que só o carteiro é que deve bater três. A chave rodou do lado de dentro e a porta abriu-se.
Tal como não havia resultado em som nenhum o meu chamamento percussionista, também quando os teus lábios, pintados a carvão, se mexeram, som nenhum de lá saiu. Apenas no cinema se vêem tais silêncios, assim tão prolongados, porque a arte não tem, graças a Deus, que imitar a vida e todo o seu ruído natural e imponderado. No silêncio continuámos, esboçando sorrisos, sorrindo com os olhos, com as sobrancelhas, com o nariz, com toda a face; ali podia-se sorrir livremente, porque não havia chão para arrastar o corpo morto de um mal afortunado apaixonado sem amor à vida. Pegaste-me pela mão e conduziste-me pelas escadas. Era tudo tão branco... as paredes, o ar, tu, e o teu vestido, alegremente desconfiando das cores do teu cabelo, que mais pareciam folhas de Outono, ao vento.
Levaste-me à janela. Havias cravado, com uma navalha, alguns versos meus no parapeito da janela. Abracei-te e os meus braços envolveram completamente a tua silhueta.
Subitamente, acordei.