Quarta-feira, 20.10.10

Quando se corre, ou se foge ou se quer.

Um estranho sol outonal, que espreitava por de trás de duas nuvens densas e cinzentas, batia-lhe a corpo inteiro e fazia-o suar lentamente, soltando um bafo desesperado à medida que cada passo apressado era consumado. Corria, de sobretudo negro, espesso e pesado, pela calçada de uma rua sinuosa onde batia apenas o sol do meio-dia, de tão estreita que era. Fugia ele de alguma coisa? Estaria ele atrasado para algum compromisso com a importância suficiente para o pôr a correr que nem um louco?

As pessoas olhavam-no de lado; aquele homem cabeludo, jovial, de rosto bonito e oval, com barba de três dias, vestido à Inverno - estava ainda agora o Outono a começar e o sol ainda fazia suar - chamou a atenção de uma ou outra velhinha mais susceptível a pressas e pais-na-forca, que proferiram umas verborreias criticantes ao gadelhudo que por elas passava a correr.

Avistou o fundo brilhante da rua que ele conhecia tão bem e que o vento, que parecia já o animal de estimação daquele pequeno trajecto, adornado com varandas floreadas e tascas de copo de barro, fazia o seu cabelo esvoaçar e ser puxado para trás, digno de um filme cliché de amor perdido e com vontade de ser encontrado. Ao chegar ao fim da rua parou. Ofegante, percorreu as esplanadas dos cafés da praça com o olhar, de um jeito neurótico, quase automático, notoriamente atormentado por toda esta correria, culpa de um relógio que não lhe disse que horas eram mais cedo. Aquele coração, digo-vos, ainda bem que era jovem e bem tratado - o dono dele comia pouco sal e bastantes vegetais - senão já haveria saltado do peito para fora e causado transtorno, espanto e preocupação de alguns transeuntes, que um coração no meio do passeio, ainda a bater e a esguichar sangue quente e vivo, não é algo que se veja com frequência.

Os olhos estavam prestes a desistir quando, do outro lado da rua, olhando os carros que passavam e os homens que se arrastavam, deambulando, mortos-vivos com pastas na mão e gravatas manchadas de café, a face tão almejada foi encontrada. Ali estava ele, cabelo negro, corpo espigado e ombros largos, levando, em ritmo lento, um eterno cigarro à boca. A boca de um salivou, ao ver a boca do outro; os olhos encontraram-se, sorrisos foram esboçados e o escritor ordenou que se fizesse um ponto final antes que o ar passasse a ser dois corpos abraçados - ponto final, disse ele. Seja.

publicado por Gualter Ego às 18:20 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Necessidade.

A arte pode ser desnecessária; a filosofia pode ser desnecessária. Ambas podem não ter qualquer papel crucial na vida de um sujeito, mas também o são, insignificantes e desnecessárias isto é, as relações humanas e nós insistimos em morrer, matar e fazer arte por elas.

publicado por Gualter Ego às 18:17 | link do post | comentar | ver comentários (2)
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