A vida aborrecida de um serial III
Vê-se o ser humano beber às mágoas, sorrir à felicidade solitária, supérflua e banal e bocejar à frente do corpo despido, de tão gasta que está essa imagem, mas não é assim que se passa com ele.
Encontra, ele, tanto ou mais erotismo numa poça de sangue encarnado, vivo e morno, que nas curvas provocantes de uma qualquer femme fatale, aclamada pelos média.
Acima de tudo, ele é discreto: uma figura que passa despercebida até entre as gotas da chuva molhada e nem nome tem, porque se ninguém ouvir a árvore cair no meio da floresta, não se pode afirmar que fez som algum, também não se pode dar nome a quem nunca é chamado, porque com ninguém ele se dá.
Depois de muito café e de uns quantos maços de cigarros, foi restabelecida grande parte da calmaria que inundava os seus dias, de sol nascente a poente.
É melhor desejar, que ter, sabe ele bem, porque quando tem e se toca, aquilo que se desejou, dissipa-se, assim, o desejo. Fica, então, ele, por agora, a pensar nela, a sorridente caixa de supermercado, todas as noites, entre o último cigarro do dia, fumado à janela, a mirar as estrelas, sem qualquer compromisso filosófico, sem espaço ou paciências para rimas inspiradas, que a poesia não é para ele, nem tendência a duvidar de si mesmo, numa crise existencial desmesurada (Quantos de nós já não se sentiram incrivelmente pequenos, a olhar para o céu e paras as estrelas, de papo para o ar?) e adormecer, a fazer da fronha da almofada, réplica da carne humana, o único traço de insanidade apaixonada que se lhe vê.
Amanhã, com um bom livro para ler num banco de jardim e esconder o olhar desconfortável, atento às meninas mulheres que passam, um maço de cigarros e uma caixa de fósforos, para os fumar, aos cigarros, vai partir, novamente, à caça.