Segunda-feira, 09.08.10

A vida aborrecida de um serial III

Vê-se o ser humano beber às mágoas, sorrir à felicidade solitária, supérflua e banal e bocejar à frente do corpo despido, de tão gasta que está essa imagem, mas não é assim que se passa com ele.

Encontra, ele, tanto ou mais erotismo numa poça de sangue encarnado, vivo e morno, que nas curvas provocantes de uma qualquer femme fatale, aclamada pelos média.

Acima de tudo, ele é discreto: uma figura que passa despercebida até entre as gotas da chuva molhada e nem nome tem, porque se ninguém ouvir a árvore cair no meio da floresta, não se pode afirmar que fez som algum, também não se pode dar nome a quem nunca é chamado, porque com ninguém ele se dá.

 

Depois de muito café e de uns quantos maços de cigarros, foi restabelecida grande parte da calmaria que inundava os seus dias, de sol nascente a poente.

É melhor desejar, que ter, sabe ele bem, porque quando tem e se toca, aquilo que se desejou, dissipa-se, assim, o desejo. Fica, então, ele, por agora, a pensar nela, a sorridente caixa de supermercado, todas as noites, entre o último cigarro do dia, fumado à janela, a mirar as estrelas, sem qualquer compromisso filosófico, sem espaço ou paciências para rimas inspiradas, que a poesia não é para ele, nem tendência a duvidar de si mesmo, numa crise existencial desmesurada (Quantos de nós já não se sentiram incrivelmente pequenos, a olhar para o céu e paras as estrelas, de papo para o ar?) e adormecer, a fazer da fronha da almofada, réplica da carne humana, o único traço de insanidade apaixonada que se lhe vê.

 

Amanhã, com um bom livro para ler num banco de jardim e esconder o olhar desconfortável, atento às meninas mulheres que passam, um maço de cigarros e uma caixa de fósforos, para os fumar, aos cigarros, vai partir, novamente, à caça.

publicado por Gualter Ego às 23:59 | link do post | comentar

Esperar.

É o tempo que me vai fazer o resultado de uma soma perpétua.

É viver, portanto.

publicado por Gualter Ego às 22:08 | link do post | comentar | ver comentários (1)

A vida aborrecida de um serial killer II

Ele conhece bem esta cidade. Namora com ela à janela, todos os dias de manhã, quando abre as portadas, esteja a chover ou não.

Hoje está. E ele namora mais que a cidade, namora cada pedra de passeio, cada janela do prédio em frente, cada pessoa que passa, secretamente.

Está ele também enamorado, pela carne fresca, tentadora e sedutora e não sabe o que fazer.

 

Observa-a, à cidade, neste dia cinzento, chuvoso e melancólico de Outono, com uma chávena azul cheia de café acabado de fazer, na mão direita, e o primeiro cigarro do dia, entre dois dedos da mão esquerda. Abate-se, sobre ele, uma apatia tremenda, que o faz sentir mais pesado que o mundo e o atira para a cama por fazer.

Naquele dia, não sai de casa, no dia seguinte, também não, e assim se prolonga, matura e cresce, o desejo, pela carne fresca, tentadora e sedutora.

 

Para muitos, amar é encontrar as palavras todas e fazê-las rimar, em compasso acelerado. Para ele, amar, até agora, era cravar o aço frio da faca, prolongamento do seu corpo, na carne quente das suas musas, ver-lhes o sangue e a vida escorrer por elas abaixo, rimar o seu corpo com o último suspiro e vir-se a pensar nisto tudo, no dia seguinte.

Agora, era diferente e assustador.

 

Parece que a sua total sanidade mental, reside, daqui em diante, na pele que ele quer agarrar e beijar, em vez de rasgar.

 

publicado por Gualter Ego às 15:43 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Da criação.

Depois, Deus disse: «Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.» Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher.

 

(Gn 1, 26-28)

 

 

Se Deus criou o homem à sua imagem, sendo assim, pelas ordens lógicas básicas, o homem, igual a Deus, Deus é não pode ser perfeito.

Do perfeito, não pode, não se admite, que saia o imperfeito.

Se somos feitos à semelhança Dele, se somos barro encantado que ganhou, pelas Suas mãos, vida, Ele é a criatura mais vil, lasciva e cruel que existe no Universo.

Porque o Mal não é a abstinência do Bem, talvez Deus, se ele existir, seja também o nosso Lúcifer.

publicado por Gualter Ego às 15:16 | link do post | comentar | ver comentários (7)
origem

Follow me, e assim...

origem

links

arquivos

Agosto 2010

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
13
14
15
17
18
19
21
23