A Canção do Américo Baltasar.
Américo Baltasar,
Farto da sua vida de azar,
Farto de porrada e mal-viver,
Saturado do escárnio e do mal-dizer,
Concentrou toda a coragem
E nadou prá outra margem.
Ia na sinistra esperança,
De encontrar amores perdidos e fiança
Para todos os crimes de paixão;
O perdão de todas as donzelas
A quem partiu o coração.
Quando lá chegou estava descalço
E aconteceu-lhe este percalço:
Pisou cardos e espinhos,
Pedras e calhaus,
Saiu de lá roto, nu e despido,
Como um mártir desvairido.
Queria, depois, encontrar donzela decente,
Das que cozinham, lavam e são boas de dente.
Talvez casar e acentar,
Construir uma casa e procriar.
Mas deu-lhe a sede e desceu à tasca,
Começou a beber e viu-se à rasca.
Ganhou fama de gandim, devedor e caloteiro,
Bêbado, borracheiro!
Deixou de ter fiado e agora pesa-lhe o coração,
Só bebe água... nem sequer prova o carrascão.
Voltou para a sua terra natal,
Onde nunca ninguém lhe quis genuíno mal
Diz que lá envelheceu e ganhou cabelo branco,
No alpendre de casa a tocar harmónica sentando num banco.
Outros dizem que se enforcou,
Enrolou a corda no ramo de uma azinheira,
E de lá se tombou.
Outros ainda que morreu de caganeira.
Mas ninguém sabe ao certo,
O que aconteceu a Américo Baltasar,
Que era homem de pouco vocabulário.
Dizem que nem teve direito a carro funerário.
Na lápide ficaram gravadas as datas fatídicas,
O nascimento fortuito e a morte dicreta,
Fosse a vida como a morte, estreita e directa
Não tinha Américo Baltasar sofrido tanto,
E não estaria eu aqui, a dedilhar sofrido canto.