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Por um momento, um segundo só que pareceu um século, flutuou a minha mão esperando, gerações se passaram, árvores se plantaram e enfim morreram, muralhas se levantaram e por fim ruiram, homens nasceram e assim morreram, e mulheres também, foi tanto tempo quanto a minha mão demorou a desviar todo o vazio que ia desde a quietude à acção, poisou portanto na tua perna e derramou-se em calor pelo tecido que a cobria, como uma pinga de vinho na toalha de domingo, a dolceza do meu sangue aquecido a alastrar-se pela tua coxa e a vontade a subir-te em calafrios, conflito de sentidos, é verdade, mas que facilmente se percebe e faz parelha, que tanto o corpo treme de frio como transpira de calor, assim o calor que invade as fronteiras do que é norma faz o corpo sentir um arrepio de aragem, é o sinal que algo se passa, é um alarme, é a portada aberta e a corrente de ar que resfria, e a minha mão só não subiu porque este parágrafo já vai longo e a vida é breve, e se eu sei que poderia, e que faria, então para quê o cansaço de fazer, fica só a ideia, a noção, não a manchemos com o que é facto, os factos são aborrecidos, pensa só na minha mão quente e na tua coxa fria, e uma mais a outra, as duas, que só com a associação de ideias consegui eu discorrer tamanha inutilidade, foi só uma mão e uma coxa e já me chamam de chato, obrigado e boa noite.
publicado por Gualter Ego às 23:19 | link do post | comentar